Diálogo entre países em desenvolvimento ocorreu no dia de finanças (03/11) da 26ª Conferência das Partes sobre Mudança do Clima (COP26), em encontro virtual promovido pelo CDP
A evolução do disclosure relacionado ao clima
Em muitos países, os esforços para disseminar o disclosure climático corporativo tiveram pontapé inicial com arranjos voluntários e autorregulatórios, vários deles vindos do próprio mercado, que já começava a identificar a iminência das ameaças climáticas em seus negócios. Iniciativas não governamentais, como da plataforma de reporte de dados do CDP, a maior do mundo para captura de dados ambientais, também contribuíram para aumentar a compreensão sobre a importância do disclosure ambiental entre companhias e investidores.
O amadurecimento na agenda foi constatado quando esses requerimentos começaram a ser incluídos nas regulações nacionais. Nos últimos dois anos, viu-se uma onda de regulações mandatórias de disclosure sendo adotada em diferentes países. Isso resulta de um reconhecimento da necessidade de uma divulgação mais robusta e comparável, uma posição abraçada pelo CDP. Como a Marrakesh Partnership, associada à Convenção de Clima da ONU, reforçou no contexto dos preparativos à COP-26, a conexão entre o sistema financeiro e uma sociedade mais sustentável é feita por meio de um entendimento mais profundo dos riscos climáticos e dos outros impactos que o setor impõe ao meio ambiente e ao planeta.
Os reguladores dos países que participaram do evento ‘Ação Climática para a Construção de um Sistema Financeiro mais Sustentável’ tiveram a oportunidade de detalhar suas trajetórias pioneiras na consolidação desses requerimentos em países em desenvolvimento. Essa inclusão é importante porque instiga todos os atores financeiros a avançarem no informe de dados climáticos de maior qualidade, comparáveis e úteis, tanto para decisões de mercado quanto para políticas públicas.
Brasil
Atualmente, os atores financeiros encontram-se em diferentes estágios na identificação, mensuração e gestão dos riscos e impactos climáticos. Por isso, um dos próximos passos do Banco Central do Brasil será a elaboração de um trabalho exploratório, para identificar esses diferentes estágios e auxiliar as instituições financeiras na superação de obstáculos. O anúncio vem após a instituição, pioneira na regulamentação de aspectos ESG (ambiental, social e de governança), aperfeiçoar seu arcabouço regulatório prudencial. Foi publicado pelo Banco, em setembro desse ano, um conjunto de normativos que enfatiza a inclusão do risco climático entre aqueles a serem gerenciados e divulgados pelas instituições financeiras.
A avaliação dos riscos climáticos veio para ficar e tornou-se parte da agenda de gestão de riscos. Nos testes de estresse sistêmicos construídos pelo Banco Central, a inclusão do risco climático tem previsão de conclusão e divulgação em abril do próximo ano. Em países como Reino Unido e França, a inclusão mandatória desses riscos nos testes de estresse já é uma realidade.
“O alcance de um sistema financeiro mais sustentável está longe de ser fácil”, disse Kathleen Krause, Chefe-Adjunta do Departamento de Regulação Prudencial e Cambial, “mas promover a transparência das informações é certamente um dos caminhos a seguir”. Com esse objetivo, o Banco Central tomou a dianteira na América Latina e tornou-se um dos primeiros a adotar as recomendações da força-tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD).
A TCFD é um framework criado em 2017 por atores relevantes dos mercados de diferentes países, no âmbito do G-20, para auxiliar na jornada de reporte de riscos climáticos. Todavia, no Brasil, a aplicação do escopo foi ampliada para que também sejam reportadas informações ambientais e sociais. Kathleen explicou que sua implementação foi dividida em duas etapas, com informações qualitativas e referentes à governança, estratégia e gerenciamento, em primeiro momento, e com a exigência de informações quantitativas referentes a métricas e metas, na segunda etapa.
As exigências mais complexas foram mantidas na segunda fase para conferir às instituições brasileiras tempo hábil para se familiarizarem com os requerimentos, de modo que haja um amadurecimento adequado sobre as metodologias de mensuração do risco climático. O próprio corpo técnico do Banco Central precisou preparar-se para a elaboração dos atos normativos, tendo se capacitado sobre as melhores práticas internacionais com o apoio de agência financiada pelo governo alemão. “Nesse processo, tivemos uma importante parceria com o GIZ, no projeto Fibras. (...) Contribuiu significativamente para a implementação das regulações, especialmente as relacionadas à TCFD”.
China
Na China, a parceria com instituições não governamentais também assume um papel importante. Davide Cerrato, Gerente Sênior de Finanças Sustentáveis do CDP, explicou que no âmbito do projeto ‘UK Pact’, implementado pelo CDP com o financiamento do governo britânico, as companhias chinesas têm uma plataforma para compartilhar suas experiências sobre riscos e sobre a incorporação da TCFD, de modo que progridam ano a ano. O questionário de clima do CDP também é “integralmente alinhado às recomendações da TCFD”, adiciona o Gerente.
Qin Erwa, pesquisadora do Instituto de Finanças e Mercado de Capitais da China, o braço de pesquisa da Comissão Reguladora de Valores da China (CSRC), pontuou que, semelhantemente, “o disclosure ambiental está se movendo de gradual a mandatório. Nos últimos seis anos, a China estabeleceu importantes regras para o mercado de capitais”. Ela relembrou uma iniciativa de ministérios e reguladores, na qual incluída a CSRC, que publicou guidelines para um sistema financeiro sustentável em 2016, o que acelerou as discussões sobre a agenda. Nesse processo, “ficou claro que as companhias listadas deveriam cumprir com suas responsabilidades sociais e ambientais”, esclareceu.
Agora, a CSRC prepara-se para tornar mais requerimentos mandatórios. Semelhantemente ao Brasil, submeteu as alterações propostas a consultas públicas, expedindo em junho emendas para refinar os reportes relacionados à responsabilidade ambiental e social. No espectro ambiental, informações relacionadas ao reporte de incidentes ambientais, a menção ao histórico de multas administrativas ambientais, assim como o relato sobre as emissões de poluentes e as medidas para prevenir a poluição tornaram-se mandatórios. No âmbito climático, todavia, algumas disposições ainda são voluntárias, como a que encoraja o reporte das iniciativas de redução de emissão de carbono.
Cumpre mencionar que esse ano a China também lançou o ‘Catálogo de Projetos Endossados por Títulos Verdes’ em 2021. O catálogo de seleção de projetos verdes exclui de seu portfólio projetos de combustíveis fósseis ‘limpos’, adotando o princípio de no major harm para aumentar a régua na limitação de emissões de carbono. Esse conceito está presente em taxonomias verdes internacionais de referência, como a da União Europeia, e auxilia na manutenção da integridade ambiental, essencial para finanças mais sustentáveis.
“Durante a COP-26, a agenda de disclosure ganha força política e é provável que China e outros países aproveitem o momento de visibilidade que será criado no pós-Conferência para publicar mais requerimentos mandatórios em clima. Consequentemente, a TCFD também ganha destaque”
Indonésia
Mais ao Sudeste da Ásia, a Bolsa de Valores da Indonésia (IDX) é outra apoiadora da TCFD.
Ignatius Wicaksono, Chefe da Divisão de Desenvolvimento de Negócios da IDX, apresentou a abordagem gradual da Autoridade de Serviços Financeiros (OJK) do país, que em 2017 expediu o documento de ‘Obrigação de Relatório de Sustentabilidade para Instituições Financeiras, Emissores e Empresas Listadas’, como parte de uma estratégia institucional para finanças sustentáveis. Esses atores agora terão de reportar aspectos como emissões de carbono e mitigação – Em 2019, grandes bancos iniciaram o reporte e até 2024 a normativa deverá alcançar sociedades anônimas menores.
“Mas quais são os nossos maiores desafios? São três principais: primeiro, entender a nossa pegada de carbono. À medida que outros países começaram a implementar imposto de carbono, precificação de carbono ou similares, as companhias maiores começaram a entender como medi-la. Se elas [as companhias em geral] não entendem como fazê-lo, como implementar medidas de adaptação e mitigação?”, questionou Ignatius. O segundo problema, seria, portanto, a integração da adaptação e mitigação ao core business. A própria ausência de maior regulação, diante de alguns desses obstáculos, era o último grande obstáculo até um passado recente.
Ignatius está confiante de que a regulação sobre precificação de carbono, as obrigações de reporte em sustentabilidade e o movimento global para o net-zero oferecerão o empurrão necessário para que os atores financeiros avancem na agenda ambiental. “Queremos ver ação para além da regulação (...) o combate à mudança do clima tornou-se um movimento global - por exemplo, quando falamos da iniciativa net-zero. Do ponto de vista do investidor, antes de investir em uma empresa, ele vai querer ler sobre ESG e integrar o ESG melhor”.
Ao elencar as vantagens de promoção do ambiental, do social e de governança (ESG) no país, ele menciona a importância de estimular o awareness e o apetite institucional para a agenda, o que tem sido feito com o apoio da Global Reporting Initiative (GRI) e do CDP.
Superando desafios por meio da cooperação e do intercâmbio de experiências
Os desafios certamente são compartilhados entre os países em desenvolvimento. Kathleen declarou que ainda há dificuldades na implementação da TCFD, como a falta de detalhamento para implementação no setor financeiro, já que seu amplo escopo captura as necessidades de diferentes organizações; e a falta de padronização de alguns aspectos quantitativos, na qual também se inclui o desafio dos bancos em capturar informações de seus clientes e diferentes stakeholders, a maior parte instituições não financeiras.
Laura Aylett, Chefe para América Latina, Parcerias e Financiamento Climático Internacional do Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial (BEIS) do Reino Unido, encerrou o evento reforçando que a cooperação e o compartilhamento de experiências são as chaves para superar desafios e criar critérios de reporte climático padronizados. Também “a COP26 é uma oportunidade crítica para ação (...), para desencadear o investimento privado necessário para o net-zero até metade do século”, diz ela.
Para Laura, “as mudanças no sistema financeiro são fundamentais para a mudança sistêmica em todos os setores da economia, se quisermos manter o aumento da temperatura abaixo do 1.5ºC”. A mensagem final do evento é que o disclosure é um primeiro passo importante para alcançar o net-zero e que ele vem sendo, cada vez mais exigido por empresas, investidores e consumidores. Incluir a mudança do clima em todas as decisões financeiras se tornará uma questão de sobrevivência.
Para aprender mais sobre o contexto doméstico de dois países latino-americanos que têm promovido ações de vanguarda em finanças sustentáveis, revisite os documentos publicados recentemente pelo CDP.