Escrito por Miriam Garcia, Gerente Sênior de Políticas Públicas do CDP América Latina, e por Antonio Ouro, Assistente de Políticas Públicas
A adoção do Acordo de Paris e a finalização do seu Livro de Regras na última COP-26 em Glasgow ilustram a força do multilateralismo como um aliado fundamental para enfrentar o aquecimento global. Instrumentos jurídicos internacionais, políticas públicas e ações do setor privado serão colocados a prova frente ao desafio de reduzir rapidamente as emissões de gases de efeito estufa. As mais recentes mensagens do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC em sua sigla em inglês) alertam que um caminho de inação nos levará a um futuro com enormes consequências negativas para os ecossistemas, economia e humanidade. Por exemplo, um aquecimento de 3°C, comparado à 1.5°C, levaria mais 340 milhões de pessoas a serem expostas à falta de água, ondas de calor e desertificação. Além disso, a adaptação para segurança alimentar terá um custo adicional de 65 bilhões de dólares para o cenário de maior aumento de temperatura.[1]
As metas do Acordo de Paris e do Pacto de Glasgow sinalizam a necessidade de buscar o aumento de temperatura de 1.5°C. Como avaliar se estamos no caminho certo?
O mecanismo de Balanço Global – tradução do termo Global Stocktake – faz parte da arquitetura do Acordo de Paris e estabelece a necessidade de uma avaliação coletiva de como está o nosso desempenho para temas como mitigação, adaptação, financiamento, perdas e danos, e outros temas transversais. O ano de 2022 marca oficialmente o início dos trabalhos do Primeiro Balanço Global, que deverá ter o seu resultado final apresentando na COP-28 em 2023 presidida pelos Emirados Árabes Unidos.
Liderado pelo Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o processo do Balanço Global conta com a co-facilitação de representantes de dois países, África do Sul e Estados Unidos, e com a participação não somente dos países signatários do Acordo de Paris, mas também dos non-Party stakeholders (grupo que engloba governos subnacionais, setor privado e organizações da sociedade civil).
As variáveis a serem integradas para uma avaliação coletiva são muito diversas. Nesse sentido, os co-facilitadores publicaram uma série de perguntas norteadoras que apoiaram os países e os non-Party stakeholders a realizarem uma primeira submissão para o Balanço Global em fevereiro desse ano. As submissões, tais como os relatórios sínteses, estão disponíveis no portal da UNFCCC.
Nas negociações preparatórias para a COP- 27, a ser realizada no Egito em novembro desse ano, aconteceu o primeiro Diálogo Técnico do Balanço Global. Representantes do IPCC trouxeram as mensagens mais recentes publicadas no relatório de abril de 2022 e foi reafirmado pelos países que o Balanço Global seguirá o princípio da melhor ciência disponível e da equidade.
Ao longo das reuniões do Diálogo Técnico em formato de plenária, mesas e de um world café, foi relembrado pelos co-facilitadores que o Balanço Global constitui um exercício de aprendizado em movimento. A novidade do mecanismo também suscita uma questão crucial para os processos onusianos: como garantir uma mobilização política para um tema técnico?
O formato final do GST ainda está em aberto. Diferentes representantes da sociedade civil clamam para que possa ser o mais alto nível e assim garantir que suas mensagens possam efetivamente informar o próximo ciclo de rodadas das NDC e nortear a implementação de metas climáticas mais ambiciosas.
Acadêmicos e representantes da sociedade civil também aproveitaram o retorno das negociações presenciais em Bonn – após dois anos – para realizar um debate sobre diferentes temas do GST como equidade, adaptação, como assegurar os melhore resultados para o GST, entre outros.
A agenda é extremamente relevante para o Brasil, visto que os resultados da avaliação coletiva do Balanço Global poderão apoiar o país no exercício de recalcular a sua rota de políticas climáticas rumo a uma maior implementação de ações de mitigação e adaptação. Em recente estudo publicado pela COPPE-UFRJ, facilitado pelo CDP América Latina, vemos que para o Brasil ser neutro em gases de efeito estufa até 2050, será necessário evitar que aproximadamente 21 bilhões de toneladas de CO2 sejam lançadas na atmosfera.[2]
É fundamental sabermos o quão próximo ou afastados estamos da rota para o cumprimento das metas do Acordo de Paris. Nas palavras da Marianne Karlsen, presidente do Órgão Subsidiário para Implementação da UNFCCC: “O Global Stocktake e outras discussões na Conferência do Clima de Bonn demonstraram as muitas lacunas que existem na ação climática, mas também as oportunidades. (...) Vimos um envolvimento sem precedentes dos non-Party stakeholders que têm um papel fundamental a desempenhar para ajudar os governos a atingir suas metas climáticas”.[3]
Próximos passos
A impressão que se tem após o final das negociações em Bonn é que pouco se sabe como o Global Stocktake irá, de fato, se desenrolar. Ainda não está claro como o processo de análise das informações e de consideração dos resultados será feito, então boa parte dos discursos na sede da UNFCCC durante essas duas semanas foi carregado de sugestões, ainda um pouco superficiais, de temas que devem ser considerados, como deve ser a integração de diferentes atores e outras questões sobre o processo.
A Semana do Clima da América Latina e do Caribe (LACCW, na sigla em inglês) será uma ótima oportunidade para continuar os debates e aprofundar essas definições.[4]
Esse cenário deve ser encarado de duas formas:
Em primeiro lugar, deve-se relembrar que este foi o primeiro Diálogo Técnico do primeiro Global Stocktake. Em outras palavras, o processo é uma novidade para todas as Partes e organizações envolvidas. Não à toa, os co-facilitadores relembraram, durante a plenária de abertura das discussões, o caráter de “aprendizado na prática” (learning-by-doing) destes Diálogos Técnicos.
Em segundo, essa é uma grande oportunidade de participação por parte dos non-Party stakeholders brasileiros. Além da oportunidade de realizar contribuições técnicas (submissões diretas à UNFCCC), estes atores também têm a possibilidade de participar do próprio procedimento de definição dos critérios e atributos do Global Stocktake, definindo como o processo será realizado.
O CDP, em parceria com o Instituto Clima e Sociedade (iCS), está na vanguarda deste tema no Brasil. Este é o momento em que cidades, estados, empresas e todas as outras organizações que trabalham com mudanças climáticas devem se juntar para garantir que o Brasil e a América Latina estejam devidamente representados neste processo inédito, revolucionário e global.
https://unfccc.int/news/global-stocktake-a-critical-lever-for-ambitious-climate-action
[1] Fonte: https://www.wri.org/insights/ipcc-report-2022-climate-impacts-adaptation-vulnerability (acesso em 17/06/2022)
[2] Fonte: https://cdn.cdp.net/cdp-production/cms/reports/documents/000/006/345/original/04_07_22CDP-brasilclimaneutro-BR.pdf?1656953710 (acesso em 17/06/2022)
[3] Fonte: https://unfccc.int/news/bonn-climate-change-conference-makes-progress-in-several-technical-areas-but-much-work-remains (acesso em 17/06/2022) Tradução livre
[4] Fonte: https://unfccc.int/news/global-stocktake-a-critical-lever-for-ambitious-climate-action (acesso em 17/06/2022)