Futuras exigências de divulgação climática também afetarão as companhias latino-americanas
O que exige a proposta de regulação?
Na segunda-feira passada, 21 de março de 2022, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, da sigla em inglês) submeteu à consulta pública o primeiro rascunho de uma regulação com exigências mandatórias de divulgação climática.
Até então, o regulador só havia publicado diretrizes voluntárias, há mais de uma década. O anúncio faz parte de um esforço do governo Biden para aumentar a ambição climática no país, visando também à retomada do protagonismo no regime internacional de clima.
Empresas de capital aberto que atuam nas bolsas de valores americanas, sejam nacionais ou estrangeiras, terão de reportar em detalhes como os riscos climáticos afetam seus negócios. O documento de 500 páginas exige um descritivo, por exemplo, dos custos associados à transição dos combustíveis fósseis e dos riscos financeiros relacionados a eventos como tempestades e secas.
A exigência última é de especial relevância quando se consideram os custos dos eventos catastróficos, potencializados pela mudança do clima, para o país: em 2021, somente o setor de seguros americano arcou com perdas superiores a 105 bilhões de dólares. [1] Na imagem, os estragos deixados pelo furacão Katrina, ocorrido em 2005. Fonte: Pixabay.
Para aqueles que já conduzem análises de cenário, adotam planos de transição ou definiram metas e objetivos relacionados ao clima, o documento possui certas exigências no formato da divulgação, para conferir clareza aos investidores. Como exemplo, deve-se informar sobre planos de ação e reporte do progresso em relação às metas.
O reporte de emissões está incluído no pacote de exigências. O relato das emissões relacionadas às operações diretas (escopo 1) e o consumo energético (escopo 2) é obrigatório para todas as empresas, enquanto as emissões relacionadas à cadeia de valor (escopo 3), devido à maior complexidade, não são exigidas de companhias de menor porte.
Há uma abordagem gradual para as exigências de relato de escopo 3 e para a verificação independente dos inventários, de forma a promover maior confiabilidade das informações.
A divulgação é alinhada ao framework de referência para reportes climáticos da Força-tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD, da sigla em inglês) e se baseia no Protocolo de Gases com Efeito Estufa (GHG Protocol, em inglês). [2]
Quais países já adotaram regulações semelhantes?
O passo dado pelo regulador americano acompanha uma tendência internacional. O reporte obrigatório e alinhado à TCFD tem se tornado o novo normal e já foi adotado por atores como Nova Zelândia, Reino Unido, Japão e União Europeia. [3]
Na América Latina, países como Chile e Colômbia também já se alinharam às recomendações da TCFD – em ambos os países, para questões ambientais mais amplas o reporte também deverá seguir os padrões do Conselho de Padrões Contábeis de Sustentabilidade (SASB, da sigla em inglês).
No Chile, há uma particularidade importante: não há seção específica para questões ambientais, sociais e de governança (ESG, da sigla em inglês). Os dados e informações devem ser divulgados em todas as seções, com requisitos mínimos de informações. Esse “reporte integrado” foi pensado para estimular a consideração das questões ESG de maneira mais orgânica, em todos os aspectos da companhia. [4]
Já no México, além do apoio governamental à criação de um consórcio para a TCFD, a antiga exigência de informe de emissões tem fundamentado a primeira etapa de um piloto para o sistema de comércio de emissões do país. [5]
No contexto brasileiro, a TCFD está presente em regulações de três subsetores financeiros. O Banco Central determinou que instituições financeiras deverão reportar com base na TCFD a partir do ano que vem, adaptando o framework também para o reporte de questões ESG.
Já os atores do mercado de capitais brasileiro abordarão riscos climáticos em linha com a TCFD, devendo comunicar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) se ela é considerada ou não em seus relatórios ESG, e reportar em alinhamento com o framework em questões como o papel da administração nos assuntos relacionados à clima [6].
Mais recentemente, a minuta de circular sobre requisitos de sustentabilidade da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) também se baseou no framework, o que foi bem recepcionado pela sociedade civil.
Por que optar pela divulgação obrigatória e alinhada à TCFD?
Embora as regulações possuam algumas características distintas, mesmo para se adaptarem à realidade de cada sistema financeiro nacional, elas se sobrepõem em seu alinhamento com a TCFD.
O framework foi criado a pedido do G20 justamente para harmonizar a divulgação de informações sobre riscos e oportunidades relativos a mudanças climáticas, permitindo a comparabilidade entre empresas e entre setores econômicos e diminuindo o reporting burden para empresas, incluindo as que atuam em mercados internacionais. [7]
Ao publicar essas regras propostas de divulgação climática, a SEC está cumprindo sua missão: fornecer aos investidores as informações de que precisam – incluindo dados climáticos comparáveis – para garantir uma economia estável e resiliente.
A divulgação alinhada à TCFD é uma ferramenta crítica para identificação dos riscos e oportunidades, planejamento estratégico, criação de condições equitativas e segurança regulatória – tudo isso beneficia as empresas no ambiente de negócios altamente competitivo de hoje. Além do mais, a divulgação obrigatória é uma ferramenta de enforcement que protege os investidores desses riscos relacionados à sustentabilidade.
Como as empresas latino-americanas podem se preparar para o disclosure alinhado à TCFD?
Para Elizabeth Small, Conselheira Geral e Diretora de Políticas Públicas do CDP North America, as empresas que divulgam dados e informações por meio do CDP estão preparadas para acompanhar essas mudanças regulatórias. Ela explica que o questionário de clima do CDP é totalmente alinhado à TCFD desde 2018 e que “ao traduzir as recomendações e os pilares da TCFD em questões de divulgação reais, que seguem um formato anual padronizado, o CDP oferece aos investidores e àqueles que divulgam a única plataforma em que a estrutura [do framework] pode ser colocada em prática no mundo real”. [8]
Em sua regra proposta, a SEC reconhece o importante papel do CDP na implementação das recomendações da TCFD: "o questionário do CDP incorpora totalmente a estrutura do TCFD e, portanto, exibe alinhamento total". [9]
O CDP é mencionado diversas vezes na proposta da SEC [9] como o padrão-ouro e reconhecido como uma das instituições capazes de guiar as companhias ao longo do processo de divulgação, levando-as de iniciantes a líderes em divulgação e ação ambiental ambiciosa, compatível com um mundo zero líquido.
E quanto às companhias que não acompanham essa evolução?
Regulações e políticas relacionadas a questões ESG, sejam elas mandatórias ou voluntárias, aumentaram 264% entre 2015 e 2021 [10]. Esse boom está intimamente relacionado à convicção de que é preciso consolidar sistemas financeiros mais sustentáveis e já se provaram ser mais que uma “moda passageira”.
Além de a inclusão desses riscos compor parte de um esforço para prevenir rupturas do sistema financeiro, há o interesse em capitalizar as oportunidades relacionadas à transição de baixo carbono: até 2030, países emergentes podem gerar 23 trilhões de dólares em novas oportunidades de investimento [11].
Empresas que não se adequarem a essas evoluções estarão alheias não somente a essas oportunidades, mas também sujeitas a altos custos relacionados à falta de transparência, minando a confiança de investidores, consumidores e outros stakeholders.
A falta de preparação para lidar com os riscos relacionados à mudança do clima e com a transição de baixo carbono também pode comprometer ativos físicos, diminuir receitas, converter tecnologias em obsoletas e criar custos de não conformidade. [5]
Historicamente, a transparência nos reportes corporativos se provou importante para tornar mercados mais eficientes e promover economias mais estáveis e resilientes. A falta de transparência, por sua vez, vem a altos custos, não somente para a sobrevivência de empresas, mas também para a integridade da economia. A mesma lógica aplica-se aos reportes corporativos climáticos.
As consequências da inação afetam somente as empresas e a economia?
Como aponta o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, da sigla em inglês), uma das maiores autoridades científicas na área, muitos dos impactos do aquecimento global já são irreversíveis.
Para evitar mais pontos “de não retorno” não há um nível “seguro” de aquecimento, mas manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5ºC acima dos níveis da era pré-industrial é o caminho para reduzir as perdas catastróficas que se projetam para o futuro das pessoas e do planeta. [12]
A única forma de cumprir com esse objetivo é a mobilização, a partir dessa década, para um cenário de emissões líquidas zero (net-zero, da sigla em inglês) até 2050. Por isso, fala-se cada vez mais sobre a importância de todos os setores da economia estabelecerem metas climáticas net-zero e alinhadas à ciência.
As iniciativas dos reguladores para a divulgação ESG aproveitam uma das últimas janelas de oportunidade, convertendo os alarmantes informas da ciência em respostas societais concretas, já que são um passo essencial para ambição climática do setor financeiro na escala e urgência necessárias.
O regulador da maior potência econômica mundial emite um sinal claro e forte para todo o mundo: a ação climática é imperativa.
Referências:
[1] Reuters. U.S. tornadoes push insurers 2021 bill over $105 bln as climate change impact grows. Link de acesso: https://www.reuters.com/markets/europe/us-tornadoe...
[2] SEC. SEC Proposes Rules to Enhance and Standardize Climate-Related Disclosures for Investors. Link de acesso: https://www.sec.gov/news/press-release/2022-46
[3] CDP Latin America. Moldando a Divulgação Obrigatória de Alta Qualidade. Link de acesso: https://cdn.cdp.net/cdp-production/cms/reports/doc...
[4] Cuatrecasas. Normativa Criterios ESC – Chile. Link de acesso: https://www.cuatrecasas.com/resources/nl21-377-cri...
[5] Mexico CO2. Plataforma Mexicana de Carbono. Link de acesso: https://www.mexico2.com.mx/noticia-ma-contenido.ph...
[6] CDP Latin America. Formando um Sistema Financeiro mais Sustentável. Link de acesso: https://cdn.cdp.net/cdp-production/cms/reports/doc...
[7] TCFD. Recomendações da Força-tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima. Link de acesso: https://assets.bbhub.io/company/sites/60/2020/10/T...
[8] CDP North America. Elizabeth Small. 3 vital things to know about the SEC’s new proposed climate disclosure rule – and where CDP fits in. Link: https://www.cdp.net/en/articles/climate/3-vital-th...
[9] SEC. The Enhancement and Standardization of Climate-Related Disclosures for Investors: Proposed Rule. Link de acesso: https://www.sec.gov/rules/proposed/2022/33-11042.p...
[10] Green Finance Platform. Green Finance Measures Database. Link de acesso: https://www.greenfinanceplatform.org/financial-mea...
[11] Corporação Financeira Internacional (IFC). Estudo da IFC conclui que o Pacto do Clima ajudou a criar cerca de US$ 23 trilhões em oportunidades nos mercados emergentes. Link de acesso: https://pressroom.ifc.org/all/pages/PressDetail.as...
[12] Observatório do Clima (OC). IPCC AR6 WG1: Resumo Comentado. Link de acesso: https://www.oc.eco.br/ipcc-ar6-wg1-resumo-comentad...